quinta-feira, 14 de junho de 2012

São Bernardo






Autor: Graciliano Ramos

Texto: Adriano Dias

Morei um tempo no meio rural, descobri que o pessoal lá não gosta muito de leitura, mas esse eles deveriam ler, creio que depois da leitura iam colocar apelidos em um e outro, como fazem após assistir a novela. Fiquei impressionado como discorreu o livro, como foi escrito. O inicio já me deslumbrou e o restante me encantou. Quem me emprestou o livro foi um colega, que foi obrigado a ler por causa do vestibular, creio que a obrigação tirou o encanto da obra, mas hoje comentei o livro com ele, na conversa ele ficou empolgado. Mas terminei o dialogo dizendo como o livro, como conversar sobre os livros que lemos é muito empolgante, pena que nem sempre achamos com quem comentar, mas esse espaço é para isso, conversar sobre a leitura.

Lendo São Bernardo a todo momento me lembrava do sitio, fiquei nostálgico lembrando os anos que lá morei. Como é boa a vida no campo, o silêncio, animais, plantas, a natureza que parece que hoje não temos tempo para ela. No final do livro ele levanta uma questão de como a vida seria diferente se ele tivesse outra profissão, pensei sobre isso, nossas vidas seriam diferentes se continuássemos a viver junto da natureza, o que sei é que podemos levantar hipóteses, mas o que passou não volta, mas agora como vamos viver depende de nós. Essa é uma leitura que recomendo para quem quer apenas se deliciar da literatura na tarde de um domingo como para quem quer refletir sobre a sociedade.

Escolhi um trecho de uma negociação, que muito me fez rir e lembrar das barganhas do meio rural que ainda são assim. Deliciem-se!!!

- É o que tenho. Cada qual se remedeia com o que tem. Devas, não nego, mas como hei de pagarassim de faca no peito? Se me virarem hoje de cabeça para baixo, não cai do bolso um níquel. Estou liso.
- Isso não são maneiras, Padilha. Olhe que as letras se venceram.
- Mas se não tenho! Hei de furtar? Não posso, está acabado.
- Acabado o quê, meu sem-vergonha! Agora é que vai começar. Tomo-lhe tudo, seu cachorro, deixoo de camisa e ceroula.
O presidente honorário perpétuo do Grêmio Literário e Recreativo assustou-se:
- Tenha paciência, Seu Paulo. Com barulho ninguém se entende. Eu pago. Espere uns dias. A dívida só é ruim para quem deve.
- Não espero nem uma hora. Estou falando sério; e você com tolices! Despropósito, não! Quer resolver o caso amigavelmente? Faça preço na propriedade.
Luís Padilha abriu a boca e arregalou os olhos mitídos. São Bernardo era para ele uma coisa inútil, mas de estimação: ali escondia a amargura e a quebradeira, matava passarinhos, tomava banho no riacho e dormia. Dormia demais, porque receava encontrar o Mendonça.
- Faça o preço.
- Aqui entre nós, murmurou o desgraçado, sempre desejei conservar a fazenda.
- Para quê? São Bernardo é uma pinóia. Falo como amigo. Sim senhor, como amigo. Não tenciono ver um camarada com a corda no pescoço. Esses bacharéis têm fome canina, e se eu mandar o Nogueira tocar fogo na binga, você fica de saco nas costas. Despesa muita, Padilha. Faça preço.
Debatemos a transação até o fusco-fusco. Para começar, Luís Padilha pediu oitenta contos.
- Você está maluco? Seu pai dava isto ao Fidélis por cinqüenta. E era caro. Hoje que o engenho caiu, o gado dos vizinhos rebentou as porteiras, as casas são taperas, o Mendonça vai passando as unhas nos babados...
Perdi o fôlego. Respirei e ofereci trinta contos. Ele baixou para setenta e mudamos de conversa.
Quando tornamos à barganha, subi a trinta e dois. Padilha fez abate para sessenta e cinco e jurou por Deus do céu que era a última palavra. Eu também asseverei que não pingava mais um vintém, porque não valia.
Mas lancei trinta e quatro. Padilha, por camaradagem, consentiu em receber sessenta. Discutimos duashoras, repetindo os mesmos embelecos, sem nenhum resultado.
Resolvi discorrer sobre as minhas viagens ao sertão. Depois, com indiferença, insisti nos trinta e quatro contos e obtive modificação para cinqüenta e cinco. Mostrei generosidade: trinta e cinco. Padilha endureceu nos cinqüenta e cinco, e eu injuriei-o, declarei que o velho Salustiano tinha deitado fora o dinheiro gasto com ele, no colégio. Cheguei a ameaçá-lo com as mãos. Recuou para cinqüenta. Avancei a quarenta e afirmei que estava roubando a mim mesmo. Nesse ponto cada um puxou para o seu lado. Fincapé. Chamei em meu auxílio o Mendonça, que engolia a terra, o oficial de justiça, a avaliação e as custas. O
infeliz, apavorado, desceu a quarenta e oito. Arrependi-me de haver arriscado quarenta: não valia, era um roubo. Padilha escorregou a quarenta e cinco. Firmei-me nos quarenta. Em seguida roí a corda:
- Muito por baixo. Pindaíba.Descontado o que ele me devia, o resto seria dividido em letras. Padilha endoideceu: chorou, entregou-se a Deus e desmanchou o que tinha feito. Viesse o advogado, viesse a justiça, viesse a polícia, viesse o diabo. Tomassem tudo. Um fumo para o acordo! Um fumo para a lei!
- Eu me importo com lei? Um fumo!
Tinha meios. Perfeitamente, não andava com a cara para trás. Tinha meios. Ia à tribuna da imprensa, reclamar os seus direitos, protestar contra o esbulho. Afetei comiseração e prometi pagar com dinheiro e com uma casa que possuía na rua. Dez contos. Padilha botou sete contos na casa e quarenta e três em São Bernardo. Arranquei-lhe mais dois contos: quarenta e dois pela propriedade e oito pela casa. Arengamos ainda meia hora e findamos o ajuste.
Para evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante a noite. No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a escritura. Deduzi a dívida, os juros, o preço da casa, e entreguei-lhe sete contos e quinhentos e cinqüentamilréis. Não tive remorsos.”

O livro esta disponível em pdf no link abaixo:

Quem quiser assistir uma adaptação do livro, tem um versão disponível no youtube: 






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