Autor:
Graciliano Ramos
Texto: Adriano Dias
Morei
um tempo no meio rural, descobri que o pessoal lá não
gosta muito de leitura, mas esse eles deveriam ler, creio que depois
da leitura iam colocar apelidos em um e outro, como fazem após
assistir a novela. Fiquei impressionado como discorreu o livro, como
foi escrito. O inicio já me deslumbrou e o restante me
encantou. Quem me emprestou o livro foi um colega, que foi obrigado a
ler por causa do vestibular, creio que a obrigação
tirou o encanto da obra, mas hoje comentei o livro com ele, na
conversa ele ficou empolgado. Mas terminei o dialogo dizendo como o
livro, como conversar sobre os livros que lemos é muito
empolgante, pena que nem sempre achamos com quem comentar, mas esse
espaço é para isso, conversar sobre a leitura.
Lendo
São Bernardo a todo momento me lembrava do sitio, fiquei
nostálgico lembrando os anos que lá morei. Como é
boa a vida no campo, o silêncio, animais, plantas, a natureza
que parece que hoje não temos tempo para ela. No final do
livro ele levanta uma questão de como a vida seria diferente
se ele tivesse outra profissão, pensei sobre isso, nossas
vidas seriam diferentes se continuássemos a viver junto da
natureza, o que sei é que podemos levantar hipóteses,
mas o que passou não volta, mas agora como vamos viver depende
de nós. Essa é uma leitura que recomendo para quem quer
apenas se deliciar da literatura na tarde de um domingo como para
quem quer refletir sobre a sociedade.
Escolhi um trecho de uma
negociação, que muito me fez rir e lembrar das
barganhas do meio rural que ainda são assim. Deliciem-se!!!
“-
É o que tenho. Cada qual se remedeia com o que tem. Devas, não
nego, mas como hei de pagarassim de faca no peito? Se me virarem hoje
de cabeça para baixo, não cai do bolso um níquel.
Estou liso.
-
Isso não são maneiras, Padilha. Olhe que as letras se
venceram.
-
Mas se não tenho! Hei de furtar? Não posso, está
acabado.
-
Acabado o quê, meu sem-vergonha! Agora é que vai
começar. Tomo-lhe tudo, seu cachorro, deixoo de camisa e
ceroula.
O
presidente honorário perpétuo do Grêmio Literário
e Recreativo assustou-se:
-
Tenha paciência, Seu Paulo. Com barulho ninguém se
entende. Eu pago. Espere uns dias. A dívida só é
ruim para quem deve.
-
Não espero nem uma hora. Estou falando sério; e você
com tolices! Despropósito, não! Quer resolver o caso
amigavelmente? Faça preço na propriedade.
Luís Padilha abriu
a boca e arregalou os olhos mitídos. São Bernardo era
para ele uma coisa inútil, mas de estimação: ali
escondia a amargura e a quebradeira, matava passarinhos, tomava banho
no riacho e dormia. Dormia demais, porque receava encontrar o
Mendonça.
-
Faça o preço.
-
Aqui entre nós, murmurou o desgraçado, sempre desejei
conservar a fazenda.
-
Para quê? São Bernardo é uma pinóia. Falo
como amigo. Sim senhor, como amigo. Não tenciono ver um
camarada com a corda no pescoço. Esses bacharéis têm
fome canina, e se eu mandar o Nogueira tocar fogo na binga, você
fica de saco nas costas. Despesa muita, Padilha. Faça preço.
Debatemos
a transação até o fusco-fusco. Para começar,
Luís Padilha pediu oitenta contos.
-
Você está maluco? Seu pai dava isto ao Fidélis
por cinqüenta. E era caro. Hoje que o engenho caiu, o gado dos
vizinhos rebentou as porteiras, as casas são taperas, o
Mendonça vai passando as unhas nos babados...
Perdi
o fôlego. Respirei e ofereci trinta contos. Ele baixou para
setenta e mudamos de conversa.
Quando
tornamos à barganha, subi a trinta e dois. Padilha fez abate
para sessenta e cinco e jurou por Deus do céu que era a última
palavra. Eu também asseverei que não pingava mais um
vintém, porque não valia.
Mas
lancei trinta e quatro. Padilha, por camaradagem, consentiu em
receber sessenta. Discutimos duashoras, repetindo os mesmos
embelecos, sem nenhum resultado.
Resolvi
discorrer sobre as minhas viagens ao sertão. Depois, com
indiferença, insisti nos trinta e quatro contos e obtive
modificação para cinqüenta e cinco. Mostrei
generosidade: trinta e cinco. Padilha endureceu nos cinqüenta e
cinco, e eu injuriei-o, declarei que o velho Salustiano tinha deitado
fora o dinheiro gasto com ele, no colégio. Cheguei a ameaçá-lo
com as mãos. Recuou para cinqüenta. Avancei a quarenta e
afirmei que estava roubando a mim mesmo. Nesse ponto cada um puxou
para o seu lado. Fincapé. Chamei em meu auxílio o
Mendonça, que engolia a terra, o oficial de justiça, a
avaliação e as custas. O
infeliz,
apavorado, desceu a quarenta e oito. Arrependi-me de haver arriscado
quarenta: não valia, era um roubo. Padilha escorregou a
quarenta e cinco. Firmei-me nos quarenta. Em seguida roí a
corda:
-
Muito por baixo. Pindaíba.Descontado o que ele me devia, o
resto seria dividido em letras. Padilha endoideceu: chorou,
entregou-se a Deus e desmanchou o que tinha feito. Viesse o advogado,
viesse a justiça, viesse a polícia, viesse o diabo.
Tomassem tudo. Um fumo para o acordo! Um fumo para a lei!
-
Eu me importo com lei? Um fumo!
Tinha
meios. Perfeitamente, não andava com a cara para trás.
Tinha meios. Ia à tribuna da imprensa, reclamar os seus
direitos, protestar contra o esbulho. Afetei comiseração
e prometi pagar com dinheiro e com uma casa que possuía na
rua. Dez contos. Padilha botou sete contos na casa e quarenta e três
em São Bernardo. Arranquei-lhe mais dois contos: quarenta e
dois pela propriedade e oito pela casa. Arengamos ainda meia hora e
findamos o ajuste.
Para
evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante
a noite. No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a
escritura. Deduzi a dívida, os juros, o preço da casa,
e entreguei-lhe sete contos e quinhentos e cinqüentamilréis.
Não tive remorsos.”
O livro esta disponível
em pdf no link abaixo:
Quem quiser assistir uma adaptação do livro, tem um versão disponível no youtube:
Nenhum comentário:
Postar um comentário